segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

A Senhora




Numa tarde muito fria de Novembro, uma senhora a qual a pele lembrava a textura de uma uva passa, com um vestido preto muito discreto e um véu preto que lhe cobria a nuvem de cabelos brancos por cima da cabeça subia os degraus da basílica do convento real de Mafra.

Com o custo que a idade já lhe pesava nas pernas caminhava lentamente para dentro da basílica e então até o altar da igreja. Observou a beleza à sua volta, uma beleza que assustava, intimidava, uma beleza dominada pelo silêncio.

Com delicados movimentos, sempre lentos ou até moribundos pode se dizer, tirou da malinha preta uma carteira vermelha de onde arranjou 200 escudos e depositou numa caixinha castanha que tinha um ar de já ter tido os seus dias de glória, mas que agora não passava de um simples detalhe, uma caixinha castanha com três fechos,onde superiormente podia se ler em letras grandes e douradas a palavra santíssimo. Tirou duas velas com cuidado duma caixa ao lado e foi para uma capela lateral onde sentia que poderia encontrar mais paz e sossego.

Acendeu as velas. Sentou se devagar e ficou a olhar para frente, a reflectir, sobre o quê não se sabe, só se sabe que tinha um olhar vazio, daqueles em que ninguém encontra a alma, porque esta a muito já está perdida.
Fechou os olhos pesadamente como se até isso lhe custasse.
Abriu os.

Olhou mais uma vez para o nada e com um sussurro surdo disse:
- Senhor… tende piedade da minha alma…
Deu um suspiro muito forte, que se fez sentir pelo corpo todo.
E então fechou os olhos, para nunca mais abrir.